Um ano atrás, saímos de Santos com um carro e um sonho. Muita vontade, mas pouca experiência. Estávamos ansiosos, estressados e cansados pois os preparativos nos consumiram. Tínhamos uma vaga idéia do que nos esperava, mas nunca havíamos feito nada parecido.
Hoje olhamos para trás e não vemos um ano de viagem, mas 365 dias de experiências inesquecíveis e de muita aprendizagem. Cada um desses dias foi diferente do outro. E em cada um aprendemos muito sobre como viajar, sobre relacionamento com pessoas diferentes de nós, entre nós e sobre nós mesmos. Quando pensávamos que teríamos uma rotina, pronto, algo novo acontecia. Nossa rotina tem sido a falta de rotina.
Como ficamos pouco tempo em cada lugar, a gente tem pouco tempo para criar uma rotina diária.
Nossa habilidade em viver viajando com a casa nas costas a cada dia tem se superado. Temos aprendido uma porção de coisas novas. Encontrar o caminho com o GPS e mapas e sem eles, filtrar informações de internet e guias de viagem, ler nas entrelinhas os relatos de viajantes, criar facilidades dentro do Jumbo, o timing certo para lavar as roupas, a quantidade de alimentos estocados, o horário limite para decidir onde passar a noite, as fotos que devemos fazer, como construir textos e até o tipo de cidade que é mais fácil para gente. Digo isso porque já sabemos que cidade grande não é boa para quem está fazendo uma viagem como essa. Na cidade grande a gente se perde, fica muito tempo parado no trânsito e não consegue estacionar o carro. O ideal nesse tipo de viagem são as cidades menores.
Com certeza nossa viagem não é como férias. Mas também não é como um trabalho. Tem se encaixado mais no perfil sabático mesmo, um tempo para ouvir, aprender e ensinar. Subimos o Monte Roraima, nadamos com tubarões, realizamos trilhas desafiantes, participamos de espetáculos da natureza: a aurora boreal caçada, para coroar nossa viagem. Tantas e tantas experiências nesses 365 dias.
E tantas e tantas pessoas. São elas que temperam nossa viagem. Foram amigos que conhecemos e revimos, todos contribuindo com amor, carinho, tempo e muitas vezes suas casas, seus quintais, suas ferramentas e até seus cachorros! Passamos Natal e Páscoa com essas novas famílias que encontramos e reencontramos na estrada.
Mas sentimos também saudades. Da família e dos amigos que estão em Santos e em São Paulo. Da nossa casa. De ler e de falar português. Do conhecido. Ficar tanto tempo somente nós dois também é um desafio.
Sentimos falta de coisas básicas como fofocar com as amigas ou sair para tomar cerveja com os amigos. Todos os dias os dois juntos 24 horas em pouco espaço. É muito intenso. Mas para resumir, o Mauro não precisou dormir fora do carro nenhuma noite.
Sentimos falta de coisas básicas como fofocar com as amigas ou sair para tomar cerveja com os amigos. Todos os dias os dois juntos 24 horas em pouco espaço. É muito intenso. Mas para resumir, o Mauro não precisou dormir fora do carro nenhuma noite.
O Jumbo também está se comportando melhor do que o esperado. Claro, a gente sempre fica de olho nele, fazendo manutenção constante, verificando óleo, filtros, pneus com frequência. E respeitando quando ele está muito cansado, dando algumas mordomias para ele. Afinal de contas, o Jumbo é o terceiro membro da nossa equipe. Já rodamos 60.000 km com ele pelas Américas enfrentando estradas esburacadas, terra, areia e gelo e não tivemos nenhum problema sério.
Por sinal, andamos mais do que havíamos planejado: inicialmente nossa projeção era percorrer 70.000 km o itinerário completo - Santos/Alaska/Ushuaia/Santos. Estamos na América Central e ainda falta um tantão para voltarmos pro Brasil. Com certeza iremos ultrapassar essa quilometragem.
Por ter andado tanto em tão pouco tempo, a viagem tem sido muito corrida. Pode parecer estranho para vocês mas estamos viajando muito rápido, ficar uma ou duas noites em cada lugar é muito cansativo. Sempre na estrada, não sobra tempo para fazer outras coisas como escrever, ler e editar fotos. Tempo livre, sem fazer absolutamente nada, então, é raridade.
Ainda temos muito chão pela frente. Teremos tempo para aprender a achar um ritmo mais ajustado com nossas necessidades. Tempo para trabalhar a ansiedade ao cruzar fronteiras (para gente, a sensação de cruzar fronteiras é caminhar rumo ao desconhecido).
Viajar também se aprende. Afinal de contas, a vida está cheia de possibilidades e a maioria delas, depende das nossas escolhas.
Os AnimaTops
A gente tem dificuldade em fazer listinha do que mais gostamos, do que menos gostamos, dos 1000 lugares para se conhecer entre outras listinhas que muitas vezes achamos inúteis já que são baseadas em experiências. Mas fazendo um flash back desses dias passados na estrada, algumas coisas nos surpreenderam positivamente; e outras nos decepcionaram.
Resumindo ao máximo, vamos aos tops
O que deixou nosso anima feliz:
- a Venezuela: país lindo, com uma natureza exuberante e praias maravilhosas. Pena a situação política que eles estão vivendo.
- Belize: como assim ninguém no Brasil fala de Belize? Com um litoral fantástico e povo hospitaleiro é um super destino de viagem - principalmente para budgets travelers
- Alasca: além do lugar ser espetacular, com as paisagens mais lindas que vimos até o momento, tem uma fauna incrível. Muito diferente do resto dos EUA, seus habitantes são simpáticos e próximos. Amamos e queremos voltar um dia.
- Belize: como assim ninguém no Brasil fala de Belize? Com um litoral fantástico e povo hospitaleiro é um super destino de viagem - principalmente para budgets travelers
- Alasca: além do lugar ser espetacular, com as paisagens mais lindas que vimos até o momento, tem uma fauna incrível. Muito diferente do resto dos EUA, seus habitantes são simpáticos e próximos. Amamos e queremos voltar um dia.
O que nos desanimou profundamente
- México: o balde de água fria na fronteira e a postura dos mexicanos tiraram o encanto de um país pelo qual carregávamos grande expectativa.
- Preços no Brasil: tudo muito caro por uma qualidade mediana; por isso muitos brasileiros preferem passar férias no exterior
- Fronteiras: qualquer fronteira é um motivo de stress muito grande por serem verdadeiras caixinhas de surpresa. Quem apenas viaja de avião não tem ideia do que é enfrentar fronteiras terrestres, principalmente na América Latina.
- Preços no Brasil: tudo muito caro por uma qualidade mediana; por isso muitos brasileiros preferem passar férias no exterior
- Fronteiras: qualquer fronteira é um motivo de stress muito grande por serem verdadeiras caixinhas de surpresa. Quem apenas viaja de avião não tem ideia do que é enfrentar fronteiras terrestres, principalmente na América Latina.
Algumas curiosidades:
- Já visitamos oito países americanos durante esse período: Brasil, Venezuela, Colômbia, Estados Unidos, Canadá, México, Belize e Guatemala.
- muita gente na estrada acha que estamos desenvolvendo um projeto com animais ou que estamos carregando algum na parte detrás do carro. No Mato Grosso, o frentista achava que tínhamos uma onça dentro do carro o olhava com receio enquanto abastecia!
- recebemos diversas fotos do nosso carro por email. São de pessoas que viram o carro circulando ou parado e resolvem fotografá-lo. Jumbo fazendo sucesso pela América!
- recebemos diversas fotos do nosso carro por email. São de pessoas que viram o carro circulando ou parado e resolvem fotografá-lo. Jumbo fazendo sucesso pela América!
- encontramos muitos viajantes pela estrada. O mais curioso deles foi um motorista de caminhão que nos parou na estrada perto de Houston. Ele é polonês e já deu duas voltas ao mundo de moto. Nos entregou umas xerox de reportagens suas pelo mundo, nos mostrou uma foto de sua filha, mas o mais estranho foi que ele aplicou um teste de inteligência na gente. Foi tudo tão estranho que esquecemos de tirar uma foto dele.
- viajantes e turistas são espécies diferentes. Viajantes não conseguem subir todos os vulcões, realizar todos os passeios de escuna, visitar todos os pontos turísticos de todos os lugares por onde passam. Claro que fazemos algumas coisas turísticas mas passar o tempo sentado numa praça pode ser enriquecedor numa viagem desse tipo. Fora que muitas vezes estamos cansado e queremos fazer coisas comuns como por exemplo, ir ao cinema.
- o Mauro é o cozinheiro oficial da viagem. A Marina ajuda a decidir o menu mas a execução fica por conta dele. E é difícil rolar gororóba. Geralmente, a comida fica tão boa que costumamos dizer: essa daria pra estarmos comendo em casa!
- apesar de não sermos fanáticos por futebol, usar a camisa da seleção ou do nosso time costuma aproximar pessoas. Futebol sempre puxa conversa, sendo uma forma de quebrar o gelo. Usar peças com nossa bandeira também funciona.
- apesar de não sermos fanáticos por futebol, usar a camisa da seleção ou do nosso time costuma aproximar pessoas. Futebol sempre puxa conversa, sendo uma forma de quebrar o gelo. Usar peças com nossa bandeira também funciona.
- o Jumbo tem alguns amuletos protetores: uma fitinha do Bonfim amarrada, um dreamcatcher comprado nos EUA e uma cruz mexicana. Sim, muitas vezes conversamos com ele, principalmente quando ficamos alguns dias longe.
- vocês acreditam que chegou comida brasileira no Alasca? Pois é, no começo estávamos com medo de passar fome ou foi a inexperiência mesmo, e saímos com muita comida. Fomos aprendendo que por mais que seja difícil encontrar a marca preferida de sabonete ou de macarrão, não temos necessidade de ter uma despensa enorme. O básico encontramos em qualquer lugar, não precisa ficar estocando. Nesse tipo de viagem, o mais complicado é comprar a proteína. Não coseguimos comprar carnes que ficam expostas sem refrigeração ou frangos super amarelados não sabemos porque. O peixe acaba sendo mais fácil por estar mais fresco, mas um problema na forma da limpeza.
- a história do banho natural já começou no Brasil. Naturalmente do cano, para gente isso é frio. Em campings até que vá lá. Mas em muitos hotéis que ficamos o quarto tem wifi, ar condicionado, tv LCD e banho natural. Não conseguimos entender essa lógica.
- duvido que você desconheça onde vai dormir hoje. Nós sim. A não ser quando ficamos na casa de alguém, dormir se tornou uma grande aventura. Como muitas outras coisas da viagem, estamos aprendendo a escolher onde passar a noite com mais rapidez.
- no começo da viagem, usávamos um site que se chamava free campsites. Durante nossa estadia nos EUA, nós criamos nossos free campsites pois começamos a estacionar na rua, em estacionamentos de hotéis e em paradas na estrada além dos manjados (e barulhentos) postos de gasolina e Wallmarts para passar a noite. Essa prática foi super comum no Alasca.
- não podemos deixar de citar que esses free campings só foram possíveis com a ajuda do nosso super penico, chamado de "porta potti" que compramos nos EUA. É um banheiro quimíco, pequeno, que nos deu muita autonomia e recomendamos para outros overlanders. Podemos dizer que ele foi um marco na viagem e já nos salvou de várias roubadas onde os banheiros são inexistentes, distantes ou imundos.
- nosso paladar mudou um pouco. Não só estamos comendo, mas gostando de coisas que acharíamos estranhíssimo a um ano atrás. Por exemplo, abacate para brasileiro é sobremesa. Aqui ele está até no meio da sopa e já comemos o tal do abacate com queijo, tortilha, caldo, milho, sanduíche. Torresmo picado no meio do taco, coco fresco com limão e pimenta, picolé de manga com chilli, pasta de feijão preto no café de manhã são para citar algumas coisas para nós tão diferentes. Ainda tem a michelada (cerveja "temperada" com muito sumo de limão, gelo e molho inglês ou caldo maggi além do sal na borda) e o último queridinho dessa verdadeira aventura gastronômica, o bolinho de banana frito recheado com pasta de feijão, polvilhado de açúcar. Pão na chapa com manteiga é que é exótico fora do Brasil!