As missões formadas pelos padres jesuítas fazem parte de uma
história desconhecida para nós brasileiros. Não aprendemos muita coisa sobre
esse movimento sócio-educativo-religioso que aconteceu no coração da Cuenca del
Plata, uma área fértil nos territórios do Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai.
|
São Miguel Arcanjo, no Brasil |
Foram 30 reduções de índios guaranis integradas que formaram
as Provincia Jesuítica de Misiones. Dessas, sete ficam em território brasileiro,
15 na Argentina e oito no Paraguai. Lembrando que no tempo das missões, o
território desses países ainda não tinha sido delimitado pelo Tratado de Madrid
e as fronteiras dos países que hoje possuem essas ruínas ainda não estavam definidas. Todo esse território estava sob domínio espanhol.
Os jesuítas tinham como principal objetivo no Novo Mundo a
difusão da fé católica. Preocupados com a expansão do protestantismo, a Igreja
Católica resolveu enviar para a América os padres jesuítas, incumbidos de
convocar mais almas para o reino de Deus e assim, continuar maior em número de
fiéis em relação a essa nova religião que crescia.
Os missionários que vinham para cá passavam por um
alistamento parecido com os militares de hoje: deveriam se adaptar a qualquer
ambiente do planeta e eram vetados caso apresentassem alguma limitação física.
Diferente de outras ordens religiosas, os jesuítas eram o que chamamos de PPTO
(pau prá toda obra). Visitando as ruínas das antigas reduções fica claro que os
religiosos eram multiuso: entendiam de construção, de domesticação de plantas, de
aproveitamento de recursos hídricos, de arte, de música, de ensino entre outras
habilidades e junto aos índios guaranis,
organizaram cidades que somadas ultrapassavam os 140 mil habitantes ao final de 150
anos de evangelização. Essa população era maior do que a de Buenos Aires na
mesma época, por exemplo.
|
Mapa das missões |
As missões estavam em pleno florescimento econômico e
cultural quando o Tratado de Madrid estabeleceu novas fronteiras entre Portugal
e Espanha, representadas hoje por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Portugal trocou Colonia del Sacramento – hoje Uruguai, pelas terras ao leste do
rio Uruguai - hoje Rio Grande do Sul. Nessa troca, as sete missões localizadas
nesse território passaram a fazer parte da colônia portuguesa.
Com isso, os guaranis se revoltaram porque estavam
estabelecidos em tais missões há anos e estas estavam prósperas e organizadas. Não
queriam sair desse território nem ficar sob o domínio dos portugueses. Além do
mais, os bandeirantes continuavam capturando guaranis para o trabalho escravo e
essa mão de obra gratuita e especializada seria uma ótima aquisição para as
fazendas de café. Por sua vez, os jesuítas foram acusados de apoiá-los e dessa
forma, uma agressiva campanha foi montada contra as missões. A Guerra
Guaranítica estava armada.
A pior batalha aconteceu em 1756 em território hoje
brasileiro onde 1500 indígenas foram massacrados em pouco mais de uma hora
pelas tropas espanholas e portuguesas. Tal batalha recebeu o nome de Batalha de
Caiboaté. Houve outras batalhas todas ganhas pelos europeus e esse foi o início do fim das missões.
As ruínas e o que visitar
Acima, pusemos um pequeno histórico do que foram as reduções
na América, coisas que descobrimos nas visitas aos sítios arqueológicos. Demos
uma resumida para não ficar muito chato mas acreditamos que é super importante
saber o que aconteceu na nossa terra já que os jesuítas ajudaram a construir a
identidade do povo brasileiro.
Nós conhecemos cinco reduções: no Brasil, São João e São Miguel
e na Argentina, Santa Ana, Nuestra Señora de Loreto e San Ignacio Mini. Não
fizemos Trinidad no Paraguai mas as recomendações de lá são muito boas.
|
Traçado das reduções |
A urbanização das missões é praticamente a mesma. Cidades planejadas a partir de uma cruz que marcava o centro da missão e da praça. Em uma das
laterais, sobressaia a Igreja junto com a casa dos padres, colégio e oficina de
um lado e do outro o cemitério e o coti guaçu (casa das viúvas e órfãos). Ainda
em volta da praça se encontrava a prefeitura, as casas dos indígenas e as
terras para cultivo particular e coletivo. Atrás da Igreja havia a horta dos
padres, onde eles cultivavam suas hortaliças e faziam aclimatações de plantas europeias
ao Brasil.
O trabalho era dividido dessa forma: os homens faziam o
trabalho rural, de carpintaria e de ferreria. As mulheres eram responsáveis
pelos trabalhos domésticos, pelo cuidado com as crianças, cozinhavam e teciam. Os
meninos iam para escola onde aprendiam com os missionários as primeiras letras
e outros conteúdos escolares. Todos participavam de trabalhos artísticos e
religiosos.
|
Rua larga entre as casas dos indígenas |
Para manter a coesão popular, os jesuítas respeitaram o poder do cacique e aplicaram um rigoroso sistema produtivo. Cai por terra quem pensava que eram unidades comunistas; as reduções foram uma nova forma social mas com hierarquias bem definidas.
As missões que visitamos no Brasil ficam em fácil acesso a
partir da RS 285. Existem placas informativas na estrada. São João tem mais
informações escritas do que ruínas. Poucas coisas restaram em
pé. Foi um bom começo, nela pudemos entender a organização física da missão,
que se repetiria em todas as outras visitadas. Nessa a entrada é gratuita e
algumas placas informam o que você está vendo.
|
São João Batista |
São Miguel das Missões é a melhor preservada das reduções no
Brasil. Descobrimos em outra visita que a igreja de São Miguel não precisou ser
reerguida pois como essa é uma redução jovem, a técnica empregada na construção
foi mais moderna. São Miguel é
impactante e muito linda ao entardecer. Como ponto negativo ficam as placas
informativas, quase todas apagadas e pouco legíveis. Por ser a missão mais
visitada no Brasil, deveria estar melhor conservada. Nas noites sem chuva
ocorre o Espetáculo de Som e Luz, uma apresentação da Batalha de Caiobaté poetizada.
Achamos poético demais e informativo de menos, saímos cheios de dúvidas da
apresentação, sanadas com muita pesquisa na internet e nas visitas as ruínas da
Argentina.
|
Espetáculo de Som e Luz |
Em São Miguel existe ainda um pequeno museu com lindas obras
barrocas guaranis, confeccionadas pelos indígenas através da supervisão dos
religiosos. As obras são todas sacras.
|
Arte barroco guarani |
Do lado argentino, a primeira missão visitada foi a de Santa
Ana. Acompanhados de guia, tivemos uma explicação bárbara sobre a vida nas
reduções. Foi uma verdadeira aula de história! O sítio está bem conservado e
tem como destaque não ter sido reconstruído, mantendo características
originais. O lugar ganha vida com o guia que pontua detalhes que passariam
despercebidos por olhos leigos.
|
Repare no espaço deixado pelas vigas de madeira do telhado |
Depois seguimos para as ruínas de Nuestra Señora de Loreto
que tem como destaque os banheiros (latrinas) encontrados apenas nesse sítio.
Não se sabe se não existiam banheiros em outros sítios. Chovia muito e limitamos
nossa visita às latrinas mesmo.
|
Latrinas |
As últimas ruínas que visitamos foram as de San Ignacio
Mini, as mais famosas de todas as reduções jesuíticas guaranis. San Ignacio foi
totalmente reconstruída, reerguida e com isso, perderam-se algumas características
da época. Mesmo assim, esse sítio justifica ser o mais famoso do pedaço pois a
sensação da dimensão das reduções é muito maior nesse lugar. Muitas placas
informativas – em várias línguas- ajudam a compreensão.
|
Igreja de San Ignacio Mini |
O museu é bárbaro, com muitas informações e obras desse
período. Esse foi o lugar onde conseguimos fechar nosso conhecimento sobre as
missões.
Dicas Anima:
- separe dois dias para fazer esse roteiro. Se incluir o Paraguai,
reserve mais um dia.
- faria novamente todas as reduções que fizemos, uma
complementou a outra.
- no Brasil, é possível pernoitar em São Miguel das Missões.
A cidade é pequena mas oferece algumas acomodações e restaurantes. Nós optamos
por um camping selvagem no estacionamento da redução. Do lado Argentino, passamos uma noite em
Posadas (essa é a cidade-base para se conhecer Trinidad no Paraguai), num
hotel, e em San Ignacio, num camping na
rodovia.
- dá prá incluir uma visita às reduções da Argentina numa
viagem a Foz do Iguaçu. Fica um pouco corrido para fazer em um dia mas é bem
possível.
- Posadas é uma cidade simpática, principalmente a região
beira rio. Tem bons restaurantes e bares com vista para o Paraguai, que está na
margem oposta.
- em São Miguel pagamos R$ 5,00 por pessoa pela entrada e
mais R$ 5 para o espetáculo de luz. Na Argentina, compra-se um ticket na primeira redução que vale por alguns dias para as quatro missões abertas para visitação nesse
país – San Ignacio Mini, Santa Ana, Loreto e Santa Maria La Mayor. Pagamos AR$
40 por pessoa (preço especial para residentes da América Latina).
|
San Ignacio, Argentina |
- ainda existe o espetáculo sombra e luz em San Ignacio Mini
que aparentemente é melhor do que o brasileiro. Perdemos, pois quando chove o
espetáculo é cancelado.
- o turista que visita o lado brasileiro é na sua maioria
escolar do Rio Grande do Sul. Acreditamos que acontece isso por alguns motivos.
Além da pouca divulgação, nossos sítios não possuem informações em outras línguas
e esse tipo de visita é mais cultural que visual, precisa ter informação
escrita para ser completo. Do lado argentino, muita diferença. Tem uma estrutura
melhor para o visitante, com placas em outras línguas, folders entre outros.
- a fronteira entre Brasil e Argentina foi tranquila, usamos
a identidade e apresentamos o documento do carro e a carta verde na fronteira.
Não esperávamos o valor do pedágio para cruzar o rio Uruguai, AR$ 120. Esse
valor poderia ser pago em reais também. Cruzamos de São Borja (BR) para San
Tome (AR).
|
Arte para aproximar os guaranis |
- para gente, conhecer esse pedaço da história do Brasil foi
uma grata surpresa. Ficamos admirados com a versatilidade dos jesuítas. A estratégia deles para propagar o catolicismo foi simples: mantiveram algumas características da cultura indígena, aprenderam sua língua e utilizaram a arte como elemento evangelizador. Além
disso, a fé católica tem várias similaridades com as crenças guaranis – o monoteísmo
é a principal delas e os jesuítas souberam usar isso ao seu favor. Mas as missões não foram apenas centros religiosos. Também promoveram uma nova organização do trabalho e se converteram em verdadeiras unidades de produção. Os missionários também são responsáveis pela domesticação
da erva mate, amplamente cultivada e consumida na Bacia do Prata. A importância das reduções para o Brasil é
muito maior do que as placas apagadas de São Miguel tentam esconder.
- Você assistiu um fime chamado "As missões" com o Robert de Niro e Jeremy Irons? Não perca seu tempo. O filme possui erros históricos gigantes e além de tudo é chato.